CONAPEE - MT - 2011

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO:
Projetando mais que educação de qualidade

Josemar Pedro Lorenzetti  [1]
          Existe educação sem qualidade? Podemos chamar uma ação de “educativa” sem vincular a ela uma “qualidade”? É possível aceitar que um saber possa ser classificado como “sem qualidade” (assim como diríamos que determinada pintura não possui qualidade)?

          Entretanto, em nossa realidade educacional, quando falamos dos índices da educação brasileira (IDEB, PISA, ENEM), tendo em vista os baixos escores atingidos, parece que não podemos mais associar qualidade com educação. Contudo, devemos ter cuidado para não vincular à educação de qualidade apenas um indicador, já que dessa forma cairemos nas falácias das rotineiras propagandas que, ao realizarem simplificações, remetem a alguns índices de aprovação (capacidade competitiva) o indicativo de qualidade da educação. Qual é a imagem de qualidade que o senso comum associa com a educação? (laboratórios? Conteúdos diferenciados? Primeiro lugar em Vestibular/concurso? Sucesso profissional?). O objetivo do texto é oferecer alternativas a estes significados sobre qualidade da educação.

          A partir da década de 1990, quando a universalização do acesso ao sistema formal de ensino foi consolidada (medidos pelos índices da educação no século XXI), o discurso da qualidade da educação foi crescendo em importância. E escondendo (mascarando) algumas nuances do acesso universal. Tanto as “Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso”, quanto o documento de diagnóstico da CONAPEE (apoiados em uma crítica sociológica da educação) apontam para o problema do fracasso escolar (evasão + repetência) como indicador para a denúncia da inverdade de uma pretensa universalização da educação brasileira. Por isso, a abordagem da qualidade da educação precisa contemplar todos os aspectos relativos ao ato educativo e, nesse sentido, é necessário que fuja da simplificação. A atenção direcionada para a qualidade pode fazer com que desviemos o olhar da falta de acesso para todos na educação, inclusive com a utilização de índices, a exemplo dos Vestibulares e do ENEM: não basta medirmos o quanto sabem os poucos que chegaram ao fim do processo!
           
          E, contrariando o que é senso comum na atualidade, faz-se necessário afirmar que educação de qualidade não é educação de melhores: não podemos medir o que é melhor ou pior em educação a partir de rendimentos ou sucessos individualizados. E a avaliação de um Plano Estadual de Educação é um momento impar para que os envolvidos com o processo educativo digam o que lhes parece melhor e prioritário.
          Ensejando fornecer uma ferramenta para que pensemos na qualidade da educação, defendo que a definição do conceito “qualidade da educação” deve centrar-se na historicidade, como está anunciado no “Documento Referência” da CONAE 2010:

          É fundamental, portanto, não perder de vista que qualidade é um conceito histórico, que se altera no tempo e no espaço, vinculando-se às demandas e exigências sociais de um dado processo (BRASIL, 2010, p. 30).[2]

          E por sermos nós os agentes da história da educação nesse momento, faz-se necessários que assumamos, através de nossos debates e nossa participação nas votações, qual é a dimensão do qualitativo que iremos reforçar no atual planejamento estadual (aqueles que estão diretamente envolvidos com o fazer educação podem utilizar o momento para criar demandas).

          Proponho, como exercício, o seguinte parâmetro: que não aceitemos nenhum índice abaixo de 100%. Por exemplo: porque aceitar que nesse ano tenhamos somente nota máxima 6 no IDEB se poderíamos ter 10? Alguns podem argumentar que se trata de um planejamento, que, ao colocar metas passíveis de serem atingidas por um grupo grande, incentivaria de fato essas pessoas a agirem em função de algo possível. Isso certamente é válido enquanto metodologia. Outro caso remete às questões de orçamento e demais implicações: nem sempre é possível, com a quantidade atual de recursos da educação, atingir 100% do público alvo.

          No entanto, quero desafiar estas posições tradicionais com o seguinte argumento: nesse momento somos nós, educadores, que estão avaliando e indicando objetivos para a educação de Mato Grosso (é o nosso momento de criar demandas). Se os índices ainda estão baixos, ou se os recursos da educação são insuficientes, isso não nos impede de sonhar com uma educação que atinge seu máximo em qualidade. Por isso não deixemos objetivos menores que 100% porque não queremos uma educação 70%.

          Se os planejamentos servem para orientar as ações dos gestores/administradores, que este seja o momento em que nosso posicionamento se coloca com clareza, possibilitando a aglutinação de força política em torno desse tema. Haverá entre nós alguém que deseja menos que a perfeição como meta? Esta é uma questão para pensar, embora não devamos nos afastar dos debates sobre planejamento e orçamento. Aliás, quanto a isso, não é possível fugir, em nenhum momento do “Plano Estadual de Educação” das questões de financiamento. Mas este seja verdadeiramente o momento de dizer quais são as nossas metas para alcançar a qualidade na educação – estando atentos às implicações (sociais, políticas, econômicas, etc.) daquilo que queremos para a educação. Entretanto, penso (enquanto exercício sobre a qualidade na educação) não ser possível aceitar um planejamento abaixo do índice máximo.

          O melhor argumento para aceitarmos que nossa educação não possui a qualidade que desejamos é o seguinte: o analfabetismo funcional. Nesse sentido:
No Brasil, aproximadamente, apenas um em cada quatro brasileiros, acima de quinze anos sabe, realmente, ler e escrever, isto é, lêem e sabem o que estão lendo. Isso significa que, de cada quatro brasileiros, três são analfabetos. Os diferentes institutos de pesquisa e  censos,  mostram  consistência:   somos  um país   com um enorme atraso educacional impedindo o desenvolvimento econômico e a justiça social (GADOTTI, 2009, p. 05). [3]

          Reconhecendo a educação enquanto direito social, podemos aceitar que a falta de qualidade está relacionada com este fracasso da educação básica (25% de sucesso). Sabemos que, sozinha, a educação não garante sucesso profissional (trata-se de uma falácia), mas é também necessário atentar para o fato de que a falta de escolarização básica produz a exclusão de muitos. A falta de educação (que não pode ser tomada como panacéia) não produz oportunidades (a não ser para o explorador). E aí o foco sobre qual a qualidade que precisamos reforçar: a oportunidade de todos terem uma instrução básica. Aí reside a necessidade urgente de reforçar a educação pública e gratuita, consistente com os princípios democráticos que rege nossa sociedade na atualidade, superando a contradição da existência de sujeitos não-cidadãos, porque excluídos da participação ativa em virtude da centralidade que a escrita ocupa nas relações atuais.

          O estabelecimento da prioridade em termos de melhoria de qualidade da educação nos ajuda a fugir da armadilha do entendimento desta apenas como indicativo de sucesso:
... pode-se  compreender  o  surgimento,  no  Brasil,  de “modelos”  e  “fórmulas  mágicas”  de  gestão  do  processo  educativo,  que  aparentemente viabilizam  o  sucesso  escolar. Como  exemplo,  surge  a  “Qualidade Total”  e  todas  as  suas vertentes, que desenvolvem padrões elitistas e excludentes ditados pelo “mercado” (BRASIL, 2004, p. 02). [4]

Dito isso, temos clareza de não desejar o elitismo para conseguir atingir o patamar de uma educação de qualidade. Assim, podemos avançar para estabelecer outras nuances nesta temática. Podemos, a exemplo do que tem feito a UNICEF, dizer que há diferentes dimensões da qualidade na educação que devem ser respeitadas, sendo:
Dimensão 1: ambiente educativo;
Dimensão 2: prática pedagógica;
Dimensão 3: avaliação;
Dimensão 4: gestão escolar democrática;
Dimensão 5: formação e condições de trabalho dos profissionais da escola;
Dimensão 6: ambiente físico escolar;
Dimensão 7: acesso, permanência e sucesso na escola (UNICEF, 2004). [5]

          Ao atendermos uma educação que contempla diferentes dimensões da vida de todos as pessoas que participam deste processo, avançaríamos em algo já contemplado no PEE-MT, mas a nível muito técnico ainda: a escola integral. Já pensamos em escolas de tempo integral, o que é ótimo para pensar a melhoria da qualidade da educação nesse estado (já que a escola hoje possui pouca influência sobre o imaginário das crianças – outros meios revelam-se mais poderosos, a exemplo do consumo e do império da imagem), mas sem aprofundar suficientemente a questão em termos de formação integral.

          A escola integral, democrática e inclusiva parece ser o ideal que podemos projetar para o futuro próximo. A isso podemos somar nossa concepção de qualidade como um processo histórico: as metas que ora projetamos (que demonstram nosso pensamento sobre a qualidade almejada) são objeto de disputa. Nesse sentido, a conceituação de qualidade da educação está em disputa.

          Devemos considerar, por isso, as diferentes instituições que se encontram para elaborar o PEE-MT para traçar metas claras e orientações concretas. Talvez essa tarefa se torne difícil diante de um plano com tantas metas e estratégias. No entanto, avaliamos que o eixo “qualidade da educação”, aborda suficientemente os aspectos da superação das falhas da universalização do ensino na atualidade, embora não possamos nos restringir a este eixo. Com o pressuposto de que há uma multiplicidade de dimensões a considerar para atingir a qualidade da educação, e que as metas sempre são historicamente estabelecidas, podemos incluir aqueles itens tão caros aos professores, como as questões de progressão de carreira, salariais e qualidade de vida no ambiente escolar.

          As questões que mais afligem os setores envolvidos com a educação devem receber especial atenção. Quais são as proposições concretas que temos que incluir no PEE-MT? Existe um planejamento real em educação que consiga de fato melhorar a qualidade da educação de forma integral (como superar a falta de recursos – existem propostas nesse sentido)? As propostas apresentadas no PEE-MT realmente possuem vinculação orçamentária para tornarem-se exequíveis? Temos de fato a capacidade de atender 100% dos indivíduos em idade escolar até 2020?

           Com estes questionamentos é possível encaminhar a crítica às concepções que consideram que a qualidade da educação somente está vinculada aos aspectos internos à escola, sem considerar os aspectos comunitários envolvidos. Por isso falamos atualmente da qualidade social da escola, vinculados a:
a) Fatores socioeconômicos, como condições de moradia; situação de trabalho ou de desemprego dos responsáveis pelo estudante; renda familiar; trabalho de crianças e de adolescentes; distância dos locais de moradia e de estudo.
b) Fatores socioculturais, como escolaridade da família; tempo dedicado pela família à formação cultural dos filhos; hábitos de leitura em casa; viagens, recursos tecnológicos em casa; espaços sociais frequentados pela família; formas de lazer e de aproveitamento do tempo livre; expectativas dos familiares em relação aos estudos e ao futuro das crianças e dos jovens.
c) Financiamento público adequado, com recursos previstos e executados; decisões coletivas referentes aos recursos da escola; conduta ética no uso dos recursos e transparência financeira e administrativa.
d) Compromisso dos gestores centrais com a boa formação dos docentes e funcionários da educação, propiciando o seu ingresso por concurso público, a sua formação continuada e a valorização da carreira; ambiente e condições propícias ao bom trabalho pedagógico; conhecimento e domínio de processos de avaliação que reorientem as ações (SILVA, 2009, p. 09). [6]

          Com essas considerações conseguimos ampliar nossa concepção de qualidade em educação.  Tanto conseguimos superar o senso comum nesta temática, quanto das concepções baseadas na capacidade competitiva ou mercadológica. Com isso evidenciamos a necessidade de outros referenciais de qualidade para a educação de todos.
** Fim


[1] 
[2]  BRASIL,  MEC.  Documento  Referência:  Conferência  Nacional  de  Educação.  Brasília:  MEC,  2009.
[3]    GADOTTI,  Moacir.  Qualidade  da  educação. Disponível em: < http://www.paulofreire.org/Crpf/CrpfAcervo000158>.
[4]  BRASIL. MEC.  Secretaria  de  Educação  Básica.  Conselho  Escolar  e  aprendizagem  na  escola.  Elaboração  Ignez  Pinto  Navarro  et  al.  Brasília  :  MEC/SEB,  2004,  p.  31-35
[5] UNICEF, PNUD, Inep-MEC (coord). Indicadores da qualidade na educação. São Paulo: Ação Educativa, 2004.
[6]  SILVA, Maria Abadia. Qualidade social da educação pública: algumas aproximações. São Paulo: Caderno Cedes, 2009.

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